Informação Técnica:
Tipo de escalada – Desportiva, clássica e artificial. Apesar de um considerável número de vias equipadas, a escalada enquadra-se mais num estilo mais de aventura, apesar de possuir várias vias destinadas à iniciação de escalada em placa.
Vias – 29 vias do III+ até ao 7b (1 projeto de oitavo). A intervenção 20/20 foi apenas realizada nas vias da Parede Principal, Diedro Pacheco e Parede dos Iniciantes. No total foram reequipadas 10 vias, equipadas mais 6 e abertas mais 2. Nestes sectores, ficaram ainda 4 vias por concluir o trabalho de reequipamento, sendo que duas delas são possíveis de escalar usando o material original. Assim que possível será concluído esse trabalho.
Tipo de Rocha – Granito, com cristais bastante sólidos no geral, algumas fissuras e formações rochosas que criam regletes, planos e buracos.
Época – Sombra de manhã. Transição Primavera-Verão e Verão-Outono. No entanto, é possível escalar no Verão até às 12h, apesar do risco de se poderem converter num pedaço de cortiça quando o sol atinge a parede. Bem como, é possível escalar nos dias mais soalheiros de inverno, apesar de algumas vias terem tendência a formar escorrências que tardam em secar.
Material – Dado o tamanho das vias é necessário um bom conjunto de expressos para realizar as vias por completo. No geral um conjunto de 15 expressos pode ser suficiente para a maioria das vias (ver croqui), bem como uma corda de 70 mts. No entanto, há várias vias com reunião intermédia, o que permite não só, escalar as vias na sua totalidade com cordas mais curtas, ou apenas ficar pela metade das mesmas. Em algumas vias é necessário a utilização de material de autoproteção na sua totalidade ou em algumas secções (ver croqui).
Advertências e recomendações:
- A zona insere-se em espaço privado da responsabilidade da Confraria da Nossa Senhora do Pilar. Por isso a escalada neste local depende da boa relação entre a Confraria e os escaladores, no respeito pelo espaço envolvente e estacionamento. O espaço é bastante frequentado como ponto turístico, mas também como local de cerimónias religiosas;
- É recomendado o uso de capacete, não só pelas questões de segurança relacionadas com a escalada, mas também pelo facto de circularem pessoas por cima das vias e poderem por descuido ou falta de civismo provocar a queda de objetos pela parede;
- A escalada em meio natural é uma atividade que implica riscos não controlados, que podem provocar lesões graves e até mesmo ter um desenlace fatal. Deve estar seguro dos seus conhecimentos ou capacidade para avaliar os diversos riscos e acima de tudo saber assumi-los. Recomenda-se a prática de escalada com licença federativa e respetivo seguro em dia, a fim de salvaguardar em caso de acidente o acesso a cuidados médicos, com o devido enquadramento e possíveis futuros problemas com as diversas entidades, que podem resultar em questões jurídicas e proibições das zonas de escalada. Para mais informações:
ZONA DE ESCALADA DE MONTE PILAR - Póvoa do Lanhoso
Enquadramento Histórico da Zona de Escalada
Deve haver muito a dizer sobre a história desta zona e seguramente que eu não sou a pessoa mais indicada para o fazer. Talvez de um passado mais longínquo, a pessoa mais indicada pudesse ser o professor José Hermano de Saraiva, imortalizado pelo seu programa na RTP1, Horizontes da Memória. Não quer dizer que seja a pessoa que mais soubesse sobre o assunto, mas sim, pela forma como conduzia e recriava a narrativa. Para quem gostar de História e histórias, pode sempre o ver a falar sobre o assunto numa dessas plataformas de vídeo na internet. Da história mais recente e que nos diz mais respeito, talvez os pioneiros da escalada neste local. Quem sabe, talvez nos comentários desta publicação possam surgir dados mais concretos, ou um dia destes, depois de tudo isto acalmar, não nos possamos reunir todos à mesa, após um dia de escalada por estas paredes e partilharem todas essas histórias?! Enquanto isso, fica este registo, que não passa da recriação individual da perceção dos factos, que pode pecar pela imprecisão e desconhecimento real dos mesmos.
Certo é, que a localização deste rochedo nunca passou indiferente pela fortaleza natural que oferecia. Assim, foi local de refúgio dos povoados celtas, de condes, condessas e reis, tendo assumido um papel importante na independência do Condado e futuro Reino.
Da mesma forma que não passou indiferente no passado, a mesma formação rochosa, não passou despercebida aos olhos das gentes aventureiras da montanha, que nos finais dos anos 80 buscavam desafios mais verticais. Foi então, que no ano de 1988, os incontornáveis irmãos Pacheco chegaram a esta parede e abriram a 12 de março a Via do Diedro. Com um conjunto de materiais limitados, só com entaladores, desafiaram aquele diedro que se estendia ao longo de toda a parede. Pelas palavras de Pedro Pacheco, “a abertura do diedro foi dos meus bons objetivos, pois sabia que à partida poderia proteger só com entaladores. Foi aberto de baixo. As grandes dificuldades foram a sujidade, pois além de muito musgo tinha mesmo muitas silvas, que eu ia limpando à medida que subida!!!” Nesse mesmo ano equipam Azeite a Ferver, uma via que se inicia por um pequeno esporão à esquerda do grande tecto. Realizaram ainda a escalada em top-rope de um diedro colado à esquerda desse grande tecto.
As aberturas dos irmãos Pacheco iam despertando a curiosidade de outros escaladores da época e da geração de escaladores que estava a surgir. Viam nas suas aberturas motivação para o desafio de as repetir, ou inspiração para novas aberturas. Zonas como a Meadinha, também eram um aliciante de assédio para escaladores já minimamente “esclarecidos”, já para não falar daqueles que buscavam forma de se prepararem para outras paragens mais alpinas. Novas zonas e novas vias foram surgindo. Com a chegada dos “spits”, aumentou o leque de possibilidades e permitiu o equipamento das placas graníticas que anteriormente apenas poderiam ser vencidas com recurso aos duvidosos buris, numa progressão lenta, quase sempre em artificial, dado que os mesmos não estavam feitos para aguentar com grandes cargas. Com os “spits”, começou a surgir e a evoluir um novo conceito, a escalada desportiva, que era vista como um meio de treino ou de preparação para a escalada de grandes paredes ou de montanhas mais vertiginosas.
O surgimento das novas vias de escalada nas placas do castelo está ligado a esses movimentos e à evolução dos materiais na escalada. As vias passam a ser equipadas, com o acesso desde cima em rapel, a distância entre pontos é definida pelo critério usado pelo equipador, que pode ir desde o número escasso de pontos que tem disponível, ao tempo e paciência gasta para a perfuração manual e colocação dos mesmos. Logo era natural a vontade de os “espaçar”, além de darem às vias alguma da emoção que naturalmente as grandes aberturas tinham, a gestão do subjetivo factor psicológico.
Seguiram-se os anos dourados desta zona de escalada, à medida em que via atrás de via ia sendo equipada. Contudo, dessa época poucas informações palpáveis e acessíveis chegaram até aos dias de hoje, apenas que foram protagonistas, um escalador catalão de nome Jordi, que passou uma temporada no norte do país para construir algumas paredes de escalada e que terá possivelmente colocado vários tops espalhados pela parede. Talvez possa ter realizado o equipamento completo de alguma via? Também o CNM, por intermédio de alguns dos seus membros mais ativos da época e que seria de mérito enunciá-los. Talvez se possa reunir essa informação, juntamente com os nomes das vias equipadas.
Com o passar do tempo, aos poucos os escaladores foram progressivamente deixando de escalar de forma mais assídua e o musgo foi cobrindo parte da parede e a sua história não foi passada à geração seguinte.
Reequipamento 20/20
A intervenção nas vias de escalada do Monte do Pilar (face sudoeste) que relatamos, iniciou-se em Maio de 2020. Contudo a história é bem mais antiga. Vários foram os momentos, que em conversas entre vários escaladores da zona norte se manifestou a vontade de recuperar aquela zona de escalada. Lembro-me de quando comecei a escalar já se falava em reequipar aquelas vias e entretanto, já lá vão quase 20 anos. A juntar ao reequipamento, surgia também o problema da camada de musgo que cobriam algumas das vias menos utilizadas, que com o progressivo abandono da zona, acabou por se alargar às restantes vias.
Algumas tentativas de limpeza foram sendo feitas, algumas por conhecimento próprio, como os relatos do Cardi, sobre os dias de esfrega que levou, juntamente com o Botas, a escovarem aquelas vias. Ou do dia em que o Jorge Martins arranjou um camião dos Bombeiros e onde eu, juntamente com o Paulinho, lá baixamos, meio inocentes e pouco esclarecidos para dar umas mangueiradas na parede. Mas entretanto, já passaram mais de 15 anos… e seguramente, que a estas se juntaram outras iniciativas. Isto, já para não falar do princípio do “utilizador-escovador”, que percebe que uma escova de aço faz parte do material de uso obrigatório nas zonas de escalada do Norte, e sempre vai escovando no local que usa para pôr as mãos e os pés, possibilitando que as vias se mantenham minimamente “escaláveis”.
Também são visíveis alguns sinais de reequipamento esporádico, como na via à esquerda da Via do Diedro, que se encontrava há algum tempo reequipada quase na totalidade com material inox e tendo sido colocada uma reunião intermédia; bem como alguns parabolts inox espalhados na Placa dos Iniciantes ou mesmo a existência de uma via que de momento ainda se encontra por reequipar e onde são visíveis a presença de furos já feitos ao longo da mesma. A autoria dessas ações, desconheço.
Assim, todo este processo começou com uma nova visita ao local após o confinamento, com a ideia de escalar algumas das vias da parede principal, em especial aquelas duas vias que terminavam com umas fissuras ervosas. E claro, a Via do Diedro, por toda a sua história e estilo de abertura.
Inicialmente tive que pôr mãos à obra e tirar por alto as camadas de musgos. Depois, arranjar alguém que se motivasse a escalar aquelas vias comigo. Mas quem é que se motiva com vias em placa, meio sujas, com os pontos algo distanciados e ainda por cima com o material em mau estado? Foi fácil, com todos estes ingredientes o Sesa e a Natália estavam lá comigo no fim-de-semana seguinte. Mas não sem antes, o Sesa me ter atirado à cara que já tinha escalado a Via do Diedro.
E de repente, à medida que escalávamos cada via, ia crescendo a nossa vontade de limpar mais um pouco, ou melhor, de limpar para escalar mais um pouco. Da minha parte, inicialmente isso só aconteceu, porque tinha a Via do Diedro molhada com uma insistente escorrência. Assim, permitiu concentrarmo-nos em limpar as placas cada vez mais para a esquerda, e ir desenterrado via atrás via, como se de um processo arqueológico se tratasse. Neste processo, foi crescendo a ideia de reequipar aquelas vias, dada a qualidade das mesmas. É claro, que isso implicaria uma limpeza das vias muito mais profunda, para que se pudessem manter escaláveis por mais tempo. A ideia era fantástica, mas o trabalho era de loucos dada a dimensão da empreitada. Mas como vínhamos de um confinamento, não estávamos precisamente no pleno das nossas capacidades mentais, com “fome” não sei bem de quê, desencadeamos um processo metamórfico como se uma praga de gafanhotos se tratasse. É claro que do discurso à prática, da vontade ao fazer, o processo foi lento e moroso, desenvolvido por diferentes fases e ritmos, até ao início do mês de outubro. Variou entre a ilusão inicial, a motivação em ver o trabalho ganhar forma ou da “obrigação” de não o querermos deixar a meio… o ritmo com que o aço desaparecia das escovas, a dificuldade em as adquirir quando acabámos com o stock das lojas de ferragens, os preços “criminais” praticados nos armazéns mais comerciais, as contas que se fazia ao material fixo que restava, a espera pela chegada de novo material, o calor sufocante, a satisfação no desejo de uma refrescante cerveja e de ver mais uma via concluída.
Filosofia de reequipamento
Muito há a dizer quando o assunto é reequipar. Normalmente são assuntos que levantam várias questões, críticas e com alguma regularidade, polémica. O próprio termo não é consensual, pois pode levar a mal-entendidos, no sentido de se correr o risco de ver linhas de clássica a aumentar o número de expansivos aquando da substituição do material antigo e em estado precário por material novo, preferindo por isso alguns chamarem a esse trabalho, restaurar. No entanto, o problema para mim não é do termo, mas sim da falta de capacidade técnica e ética para o saber aplicar. Se a capacidade técnica é relativamente fácil de adquirir e discutir, baseados em fundamentos científicos, a ética é mais complexa, em especial quando a discussão é feita por gerações diferentes, com visões diferentes sobre o que é a Escalada. Mas ainda assim, creio que o problema não é de uma visão geracional, mas sim, de gente pouco esclarecida.
O reequipamento requer sempre uma reflexão mais complexa do que simplesmente chegar e trocar ponto por ponto, o dito reequipamento 1x1, ou “olho por olho”, onde o trabalho pode correr o risco de ser feito por um cegueta, incapaz de perceber todo um conceito do que é reequipar, utilizado assim uma fórmula básica, típico de quem ainda está a começar a aprender a tabuada, ou não consegue passar da tabuada do 1. Assim, reequipar deveria também estar implícito, o refletir e o respeitar. E foi isso que tentamos fazer. Logo à partida esbarrámos num factor condicionante. Quem equipou aquelas vias? Há exceção de um croqui antigo das vias abertas pelos irmãos Pacheco e da autoria dos mesmos, as outras vias eram atribuídas a um Catalão e a elementos do CNM, durante os anos noventa, mas que infelizmente não se conseguiu chegar à fala. Este foi o nosso primeiro constrangimento para dar início ao reequipamento.
No entanto, as vias estavam escovadas e o peso de caírem de novo no esquecimento foi preponderante na nossa hesitação. As primeiras vias foram as duas imediatamente à esquerda da Via do Diedro. Numa delas aproveitamos já o facto de se encontrar mais de metade da mesma reequipada com material inox e aproveitamos o conceito utilizado pelos reequipadores anteriores de colocar uma reunião intermédia na via. Assim, e uma vez que a primeira metade parede coincide com a parte mais fácil das vias, com uma dificuldade técnica que ronda entre o IV e o 6a, utilizámos a mesma filosofia e colocamos em várias vias reuniões intermédias, para que todos os escaladores possam usufruir dessa parte das vias. Nessas partes inferiores foi aumentado o número de pontos fixos, de forma a salvaguardar, a segurança de todos os escaladores. As partes superiores dessas vias, apesar de alguns reajustes, foi mantido o conceito de distanciamento entre pontos, dado o carácter mais de aventura deste estilo de escalada, permitindo alguma aproximação a zonas como Faro Budino e a Meadinha, salvaguardando claro, as devidas exceções e particularidades de cada zona. Foram alteradas as posições de algumas reuniões para que fosse reduzido o atrito. Na Via do Diedro foram retirados todos os pontos fixos (à exceção da reunião que foi reequipada), dado que a mesma foi aberta sem colocação de qualquer material fixo. As duas vias imediatamente à esquerda da Via do Diedro, que na metade superior se encontra uma fissura, foram retirados os parabolts, onde no mesmo local se pode auto-proteger com entaladores.
Na parede dos iniciantes, no geral foram aumentadas algumas das vias no sentido de aproveitar a placa na sua total extensão. Aqui, no geral procedeu-se a uma diminuição da distância entre pontos, dada as características das vias, que não apresentam grande dificuldade técnica e ideal para escaladores que se estejam a iniciar. Foi colocada no meio da parede uma reunião intermédia, no sentido de permitir a escalada daquelas vias para quem não tenha uma corda de 70mts ou um conjunto alargado de cintas expresso.
O reequipamento realizado até ao momento, foi particamente na sua totalidade, realizado com varões roscados (M-10) em inox A4, fixados com ampolas e resina química. Apenas foram utilizados em alguns casos parabolts (A4), normalmente apenas num dos pontos da reunião por facilitar o acesso à área de trabalho ou por colocação à posteriori de reunião com corrente. A via existente no Diedro Pacheco, que possuía apenas 3 pontos e sem top, além de ser aumentada a sua extensão, também ficou toda ela a parabolts (inox A4).
Ainda faltam concluir alguns trabalhos, como o reequipamento de algumas vias e tapar os buracos dos furos antigos, apesar de na Placa dos Iniciantes já ter sido iniciado. De qualquer forma, apesar de inestéticos, servem nesta primeira fase de referência, enquadramento ou para crítica do trabalho realizado.
Agradecimentos:
- Aos equipadores e aberturistas, pelo material pessoal gasto no equipamento e abertura de novas vias, bem como também algum em reequipamento. Também pelo trabalho e tempo disponibilizado na limpeza e reequipamento das vias, bem como no melhoramento do caminho de acesso;
- Ao Zé Abreu, pela cedência dos berbequins e oferta de material para reequipamento de zonas de escalada e os quais foram aplicados nesta intervenção. A saber: 60 ampolas Hilti HVU2 e 60 varões roscados M10 em inox A4 da Hilti, bem como um conjunto de brocas de 4 pontas da Hilti, M-12 e M-10;
- À Federação Promotora de Montanhismo e Escalada, por ter apoiado este reequipamento com cerca de 100 plaquetes e algumas argolas e assim ter dado outra dimensão na intervenção desta zona;
- Ao Clube de Escalada da Maia, pela disponibilidade em apoiar a intervenção com materiais que estivessem deficitários. Assim, foram oferecidos 4 topes de corrente e 16 argolas;
- Ao Rodrigo Lemos (Rodas), pela oferta de varões roscados M-10, 45 em A4 e 58 em A2;
- De novo ao Zé Abreu pelo facto de quando soube que estávamos a reequipar esta zona, ter oferecido ainda mais, 3 cartuchos de químico da Hilti RE-500 de 500ml e respetiva pistola. Uma caixa de brocas e de parabolts em inox A4, que foram aplicados também no equipamento e aberturas de novas vias;
- Ao Rodas, João Évora, Margarida Silva, André Moreira e Ana Luís, pela ajuda dada na limpeza e reequipamento das vias;
- Ao Pedro Pacheco e Carlos Araújo pela disponibilidade em ajudar com a informação sobre a zona.