O Monte de S. Mamede fica situado na “Orla Granítica” desse grande reino rochoso que é a Serra do Gerês e que se estende até à Serra da Peneda. Ambas as serras, devido a todo esse “mar” de rocha, estão inevitavelmente ligadas à evolução da escalada no norte do País. A Peneda com aberturas e equipamentos mais faustosos, fruto de uma presença galega bem demarcada. No Gerês, prevaleceram as aberturas nacionais, em especial pelas mãos de escaladores da zona do Porto, onde deixaram um legado assente num estilo mais selvagem, mas também mais genuíno. Apesar de, no que toca a aberturas, só haver um estilo, o Bom, porque o mau nem sequer é digno desse nome. E nem sempre estamos nos melhores dias, por isso, nesses é melhor irmos à praia, ou ficarmos pela caminhada, ou até mesmo porque não, passarmos direto para a parte das cervejas!?
S. Mamede, apesar de não ser uma zona com tradição de grandes aberturas, não passou despercebido aos escaladores e foi sofrendo alguns pequenos equipamentos e aberturas ao longo de mais de 30 anos de história, espaçados no tempo. Os primeiros relatos de vias apontam para as grandes placas situadas na face nordeste do monte. No local estas passam despercebidas, dado o seu perfil pouco vertical. Saltam mais à vista, quando observadas de longe, da estrada das Cerdeirinhas, de quem baixa para Rio Caldo e nos leva para o Gerês. Possivelmente foi essa visão que atraiu os primeiros escaladores, provavelmente da zona do Porto, ligados ao CNM e mais direcionados para vias longas em busca de um terreno mais de aventura.
No entanto, por essa mesma época começaram a surgir as primeiras vias no grande monólito granítico do Monte do Pilar pelas mãos dos inevitáveis irmãos Pacheco. Com uma localização mais central, muito perto de Braga e encostado à Vila da Póvoa de Lanhoso e somando a essas características, a qualidade da rocha, verticalidade e altura das linhas, não deixava grande margem para que os raros equipadores e aberturistas dispersassem muito as suas energias com outras zonas na proximidade.
Curioso é perceber, que pouco mais de 10 anos depois, por volta de 2003, o ressurgimento de novas vias de escalada no Monte de S. Mamede, está de uma certa forma relacionado com o estado de quase abandono da zona de escalada do Monte do Pilar. Pelo estilo de escalada ter possivelmente caído em desuso, pelo facto de se poder levar com uma lata de refrigerante na cabeça, ou a probabilidade de ser também alvo de alguns comentários brejeiros e a “má” fama dos “runouts”, poderiam ter sido causas suficientes para que aos poucos uma capa verde de musgo começasse a encobrir as vias.
Procurando soluções para a prática de escalada em rocha perto de Braga, uma nova geração de escaladores, que surgiu com o núcleo de escalada da Universidade do Minho orientados por Jorge Martins, viram-se para o Monte de S. Mamede. Começam a surgir novas vias, novos sectores, equipadas por: Jorge Martins, Carlos Baquero, Miguel Ferreira (“Zimba”) e David Moutinho. Juntam-se ao esforço de equipamento e limpeza das vias escaladores dessa nova geração da Universidade do Minho, como: Albano Teixeira, Nuno Capela, Ricarda, Pamela Domingues, Helena Fialho, Vanessa Pereira… Outros escaladores da zona do Porto, como Carlos Araújo, aproveitam também por esta altura para equipar novas vias e deixar algumas aberturas de autoproteção, dando um carácter mais celta à zona, onde vias de clássica e desportivas convivem dentro de um mesmo sector. Prevalece as características naturais da rocha para a autoproteção, em detrimento de um tipo de escalada previamente definido.
Aproveitando esse surgimento de novas vias, em 2005, fui escalar ao Monte de S. Mamede, na companhia de Paulo Soares (“Paulinho”) e Jorge Martins. Despertado pela motivação e curiosidade e sendo um aprendiz de equipador, levou-me em busca de um recanto onde pudesse expressar a necessidade de equipar vias; vendo agora, mesmo que de forma tímida e envergonhada. Essa oportunidade surgir com a descoberta do Sector dos Cavalos, assim chamado pelo facto dos garranos e do gado que vagueia pelo monte, aproveitarem o local para se refugiarem do calor.
Uma sucessão de felizes coincidências fez com que esses envergonhados equipamentos, fossem sendo adiados. Umas vezes porque achei melhor ficar só pela caminhada, outras porque fui tendo boas referências e fui ganhando noção dos vários aspetos a ter em conta quando se decide equipar um sector de escalada e outras ainda, que não interessam aqui para o assunto.
Com o meu regresso ao norte, no final de 2009, fui despertando para maior interesse pelas formações rochosas locais. E num dia quente de junho, de visita às novas vias do Sector do Desfiladeiro, na companhia do meu amigo meio bracarense meio mirandês, Paulo Peixoto, ressurgiu o interesse pela escalada em S. Mamede, trazida pela agradável surpresa das novas vias e pela brisa fresca que se fazia sentir no monte.
Até que em junho de 2013, depois de umas quantas caminhadas para ver melhor o sector, “ver com olhos de ver”, sem palas, fui decidido a não ficar só pela caminhada. Acedi ao topo do calhau por uma trepada pouco aconselhada e fixada a corda, equipei a primeira via. Curiosamente, ou não, era a linha evidente de presa que tinha na cabeça e que alimentava a minha vontade de equipar nos Cavalos. Nesse dia o evidente pareceu-me mais subjetivo. Será que me esqueci de tirar as palas? Mas as chapas já estavam lançadas… Talvez se lhe desse o nome de um cavalo indomável pudesse ofuscar essa subjetividade.
Foi bom durante tantos anos ter ficado só pela caminhada. Hoje reconheço, que dado o carácter de algumas vias, esperar todos esses anos permitiu que deixasse de ser um equipamento envergonhado para ser assumidamente consciente. Bem, talvez possa haver alguma via no limiar do consciente, mas nunca no limiar do envergonhado.
Por: Marco Cunha
Fotografia por: César de Carvalho, Sesa, Taia, MC e Tiago Pereira.
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